Segundo Acto - Vêm aí os Hunos!

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Joncherry

Dia 2 de Agosto de 1914. O cabo Jules André Peugeot e outros quatro soldados do 44º Regimento de Infantaria encontram-se posicionados na aldeia de Joncherry, perto da quinta dos Docourt. Na estrada surge um grupo de cavaleiros. A forma dos capacetes não deixa dúvidas: são cavaleiros alemães que tinham atravessado a fronteira francesa e avançavam vindos da localidade vizinha de Faverois.

O cabo Peugeot tenta impedir o avanço dos alemães mas o comandante do destacamento galopa na sua direcção e dispara três tiros. Embora ferido, o francês devolve o fogo e abate o cavaleiro com um tiro no ventre.

Peugeot morre em frente à casa de Monsieur Docourt às 10.07h. O cavaleiro abatido era o Leutnant Camille Meyer, do 5º de Caçadores a Cavalo.

Os dois, tornam-se as primeiras vítimas de uma guerra que só seria declarada 48 horas mais tarde.


Planos de Guerra

O facto de a Europa estar em paz desde o final da guerra franco-prussiana de 1870 não impediu que os estados-maiores de cada país preparassem a guerra. Cada um tinha o seu plano secreto, concebido para derrotar o inimigo no menor espaço de tempo possível.


O Plano Schliefflen

A Alemanha enfrentava um dilema perigoso. Ao declarar guerra à Rússia, arriscava que a França interviesse em defesa do seu aliado, colocando assim os alemães numa situação complicada, obrigados a lutar em duas frentes.

Para impedir que tal acontecesse, os alemães tinham um plano preparado desde 1905, que colocava a tónica na derrota rápida da França, de modo a concentrar depois todas as forças no ataque à Rússia. O seu autor era o antigo chefe de estado-maior alemão, General Alfred Von Schlieffen, que lhe dedicou grande parte da carreira.

O plano em si era simples: atacar com cinco exércitos, a partir do nordeste, atravessar as planícies da Bélgica e da Holanda, contornar deste modo o sector fortificado da fronteira francesa e avançar em direcção a Paris num movimento envolvente. Dois pequenos exércitos guarneceriam a fronteira comum servindo de isco para o ataque do exército francês que deste modo se veria cercado.

O conde Schlieffen morreu em 1912 e o seu sucessor, o General Moltke, fez algumas alterações, cortando a linha de progressão pela Holanda. Segundo o previsto, a vitória sobre a França aconteceria em seis semanas, o tempo que os alemães calculavam que a Rússia demoraria a preparar o seu enorme potencial humano.


O Plano XVII

Os franceses, por seu turno, assumiram a recuperação dos territórios perdidos em 1870 como o principal objectivo. Iniciado por Ferdinand Foche e terminado por Joseph Joffre, o Plano XVII era essencialmente ofensivo e confiava no ataque combinado de quatro exércitos contra a fronteira franco-alemã. A ala sul reconquistaria a Alsácia e a Lorena, enquanto que a ala norte rumaria entraria na Alemanha através das Ardenas. Não foi levada em conta uma invasão germânica pela Bélgica, tal a confiança depositada no Tratado de Londres.


Planos B e R

A Áustria-Hungria baseou os seus planos pré-guerra no único pressuposto de que iria combater apenas contra a Sérvia e talvez contra a Rússia, se esta decidisse vir em auxílio do seu vizinho eslavo.

O Plano B concentrava maior atenção nos Balcãs, com três exércitos concentrados para invadir a Sérvia e outros três em posição defensiva na zona da Galicia, junto à fronteira com a Rússia, para impedir o avanço naquele sector. O Plano R não era mais do que uma revisão do anterior e limitava-se a redistribuir as forças, com quatro exércitos colocados na fronteira russa e dois na luta contra os sérvios.


Planos G, A e 19

Os russos tinham previsto uma série de hipóteses, uma delas era designada por plano G e assumia que a Alemanha atacaria a Rússia em primeiro lugar. A estratégia que constava deste plano era de uma terrível simplicidade: limitava-se a deixar os alemães avançar à custa de perda de terreno e de homens até que a mobilização estivesse completa. Nessa altura, o poder humano do império Russo e os problemas de abastecimento que se colocariam ao invasor fariam o resto.

O Plano 19, ou plano A, era mais sofisticado, contemplava um menor número de baixas iniciais e acabou por corresponder ao que se passou na realidade. O cenário aqui era de um ataque alemão em primeiro lugar a oeste, na França. A Rússia responderia então com o avanço de dois exércitos em direcção à Prussia Oriental e à Silésia, apontando ao centro da Alemanha. Outros quatro exércitos avançariam contra os austríacos na Galicia.


As Restantes Forças

A dimensão do exército Britânico no início da guerra não lhe permitia ter outra ambição que não fosse ocupar uma posição no flanco esquerdo do exército francês.

Os Belgas iriam dividir o seu exército entre a defesa de Antuérpia a oeste do rio Meuse e focos de resistência nas fortalezas de Liége, Namur e Antuérpia.

Os Sérvios iriam colocar as suas dez divisões na área em redor de Belgrado, perto da fronteira com a Áustria-Hungria, numa tentativa de repelir o primeiro ataque.


Os Exércitos

A Europa vai para a guerra essencialmente à custa de conscritos. A excepção é a Grã-Bretanha que tem o único exército completamente profissional.

Em termos de dimensões, a comparação não faz sequer sentido. A França apresenta-se em 1914 com 4 milhões de homens, a Alemanha com 4,5 milhões e a Rússia, apesar da lentidão em mobilizar todo o seu potencial humano, pode atingir os 6 milhões de soldados.

Contra isto, os ingleses não têm para enviar para França mais do que 70 mil homens, divididos por 4 divisões de infantaria e 2 divisões de cavalaria. Outras duas divisões ficam a defender a ilha e as restantes forças estão divididas pelo extenso império. Quanto ao equipamento, a Guerra dos Boers, na África do Sul, permitiu recolher alguns ensinamentos e em 1914 os britânicos foram para a guerra vestidos de caqui, bem mais discreto e adequado do que os uniformes dos aliados franceses.

Os belgas reúnem 117 mil homens, organizados em seis divisões de infantaria e uma de cavalaria, mais 65 mil como guarnição das fortalezas e tropas intercalares que têm como missão entrincheirarem-se no terreno entre os fortes que defendem a zona mais estratégica do país, as travessias do rio Meuse. As fardas ainda são do século XIX , a artilharia obsoleta e as raras metralhadoras são puxadas por cães, como é hábito na região.

O exército alemão do início do século XX era uma mistura de velha tradição militarista prussiana e poderio industrial. O serviço militar era obrigatório e todos os homens entre as idades de 17 e 45 anos eram elegíveis para prestar serviço em quatro escalões: Activo, Reserva, Landwher e Landsturm. Em 1900 foi criada uma quinta categoria, a reserva Ersatz, composta por homens isentos por razões familiares ou económicas ou devido a pequenos defeitos físicos.

Apesar de toda a reverência ao passado, a organização e equipamento eram mais actuais. Os antigos uniformes garridos do século passado foram substituídos pelo tom mais discreto do cinzento de campanha e até o característico picklehaube, capacete ornamentado com espigão na ponta, foi coberto com tecido na mesma cor do uniforme, de modo a evitar reflexos no campo de batalha.

O exército imperial Austro-Húngaro, por seu turno, reflectia a variedade étnica nos seus uniformes e o cinzento de campanha moderno convivia com o aspecto anacrónico de algumas unidades, sobretudo de cavalaria.

Mas os mais atrasados neste aspecto eram os franceses. Os seus soldados marcharam contra armas do século XX, equipados do mesmo modo com que lutaram em 1870. Grandes e pesados casacos azuis e calças vermelhas, tudo feito de lã. A cavalaria continuava a usar capacetes emplumados e armaduras peitorais de metal polido que pouco tinham mudado desde as campanhas Napoleónicas. Em termos de armamento, a espingarda Lebel M1886/93 de 8mm era resistente, mas o lento processo de carregamento e os problemas devido à munição que utilizava tornaram-na obsoleta logo desde o início da guerra. A metralhadora St. Etienne Mle 1907 foi abandonada logo após os primeiros combates e substituída pela pesada Hotchkiss M1914. A artilharia pesada era quase inexistente e só o excelente desempenho do canhão ligeiro de 75mm compensava de algum modo a falta de peças de maior calibre.

Bem melhor estavam os russos com as suas túnicas verde-oliva. Após a derrota humilhante em 1905, frente aos japoneses, o czar tinha ordenado o reequipamento do exército. Em 1914, a Rússia estava bem equipada e treinada e tinha, por exemplo, uma maior quantidade de metralhadoras do que os alemães, uma espingarda de confiança e artilharia ao nível do melhor que se fabricava na Europa. O maior problema residia no peso de toda a estrutura logística, servida por uma rede de estradas e caminhos-de-ferro deficiente e uma industria que não conseguia competir com as dos seus adversários.

A análise detalhada aos uniformes e armamento de cada país, ajuda a justificar o argumento de que os soldados de 14 avançaram para a guerra como parte de exércitos do século XIX, lutando com armas do século XX. Formações em massa, assaltos frontais contra espingardas de repetição, metralhadoras, arame farpado e artilharia moderna, tudo isto contribuiu para que os primeiros meses da guerra resultassem num número de baixas aterrador, prenúncio do que estava para acontecer.


Ao Ataque

De acordo com o Plano Schlieffen, a Alemanha tinha apenas seis semanas para atravessar a Bélgica, e derrotar os Franceses. Moltke, o chefe do estado-maior alemão descartava a hipótese de uma intervenção britânica e mesmo quando esta se tornou inquestionável, a dimensão da British Expedicionary Force (BEF) foi encarada com desprezo. O mesmo desprezo que foi dado às hipóteses de resistência por parte dos belgas.

O dispositivo alemão consistia em sete exércitos:

  • I Exército (Von Kluck) - Parte do sector norte. Tinha a missão mais difícil entre todos os exércitos. Ao ocupar a extremidade do flanco direito, mais perto do mar, o I Exército seria forçado a percorrer uma maior distância do que os outros e uma grande parte do sucesso do plano Schlieffen dependia do ritmo de avanço das tropas de Von Kluck. Se estes se atrasassem, os outros teriam de aguardar de modo a não abrir uma brecha na frente alemã, colocando em risco toda a operação. O movimento inicial supunha um avanço rápido pela Bélgica e depois uma mudança súbita de direcção para sul num movimento circular que terminaria em Paris, envolvendo os franceses pela rectaguarda.
  • II Exército (Von Bülow) - Um dos três exércitos que compunha o sector norte. A sua missão era apoiar o I Exército, atravessar a Bélgica contornando as defesas francesas e depois rumar a sul em direcção a Paris.
  • III Exército (Von Hausen) - Compondo a terceira parte do grupo de exércitos norte, actuaria já em território francês atacando em direcção ao rio Meuse.
  • IV Exército (Albrecht Duque de Württenberg) - Fazia parte do sector centro do dispositivo alemão. A sua missão era a defesa da zona das Ardenas.
  • V Exército (Príncipe-Herdeiro Wilhem da Alemanha) - partilhava com o IV Exército o sector central da linha alemã, na zona densamente arborizada das Ardenas, que estava encarregue de defender.
  • VI Exército (Príncipe-Herdeiro Rupprecht da Baviera) - fazia parte do sector sul da linha alemã. Estacionado na província da Lorena, as suas ordens eram a defesa da região que lhe foi atribuída e contribuir para convencer os franceses de que o principal ataque viria do sul.
  • VII Exército (Von Heeringen) - Fazia parte do sector sul da linha alemã. Tinha como missão a defesa da Alsácia e agir também como engodo, levando os franceses a pensar num ataque vindo desta zona.

Do lado francês, a doutrina ofensiva do Plano XVII partia de alguns pressupostos que acabaram por se tornar perigosos. Por um lado, assumia que no lado norte a neutralidade da Bélgica seria respeitada e que a floresta das Ardenas seria suficientemente impenetrável para dissuadir o inimigo de tentar avançar por aí. Por outro, confiava nas fortificações mais a sul, de Verdun a Toul e nas solidez de fortalezas isoladas como as de Épinal, Nancy e Beaufort.

Assim, as principais concentrações de tropas francesas apontavam para ataques nas zonas da Alsácia e da Lorena, que serviriam depois como base para um ataque em direcção à Alemanha, numa manobra quase simétrica à que outro lado estaria a executar. Ou seja, o objectivo final dos generais dos dois países era idêntico: apanhar o inimigo pela retaguarda, cercando-o através de uma manobra envolvente.

O dispositivo inicial francês, britânico e belga, era o seguinte:

  • I Exército (Dubail) - Ocupava o flanco direito (mais a sul) da linha francesa. Tinha como missão invadir a região da Lorena.
  • II Exército (Castelnau) - Concentrado à direita do I Exército, partilhou com ele a missão de invadir a Lorena.
  • III Exército (Ruffey) - No centro. Inicialmente numa posição defensiva, acabou por receber ordens para atacar através das Ardenas como forma de pressionar face ao avanço alemão na Bélgica.
  • IV Exército (Langle de Cary) - Acompanhou o III Exército no avanço pelas Ardenas.
  • V Exército (Lanzerac) - Ocupava o flanco esquerdo (mais a norte) do exército francês e tinha como missão o ataque a sul das Ardenas em direcção ao Luxemburgo.
  • British Expeditionary Force (French) - Colocou-se à esquerda do V Exército francês no extremo mais a norte da linha, virada para a fronteira Belga.
  • O Exército Belga (Albert I) - Estava colocado em redor de centros estratégicos: A 3ª Divisão em apoio ao forte de Liège; a 4ªDivisão em apoio ao forte de Namur; A 1ª Divisão junto à cidade de Tinnen; a 2ª Divisão em Lovaina, a 5ª Divisão em Perwez e a 6ª Divisão em Wavre. Os seus pontos fortes eram as zonas fortificadas: Liège, a sudeste junto à fronteira alemã e na margem do rio Meuse; Namur, a sudoeste, ainda na margem do Meuse; finalmente Antuérpia, a norte, perto da costa e da fronteira com a Holanda.
A 2 de Agosto é eliminado o primeiro obstáculo: o Luxemburgo é ocupado sem luta. O IV Exército, do Duque Albrecht pode avançar.

Dia 3 é a vez dos franceses. Joffre ordena ao VII Corpo que avance em direcção a Mulhouse.

Na madrugada de 3 para 4 de Agosto os alemães invadem a Bélgica e vão directos à fortaleza de Liége.

Liège é o ponto estratégico que impede a passagem dos exércitos alemães e a execução do Plano Schlieffen. A resistência é forte, mais do que esperavam os invasores. O último forte cai apenas a 17 de Agosto, à força de artilharia de grande calibre, incluindo morteiros pesados Skoda de 210mm e Krupp de 305 e 420mm (apelidado de Big Bertha em honra da filha do industrial alemão).

Os últimos fôlegos de guerras passadas atravessam os campos neste início de guerra. Em Haelen, a 12 de Agosto, unidades de cavalaria de ambos os lados enfrentam-se, lanceiros belgas e ulanos alemães, peitorais de aço, lanças e capacetes a brilhar ao sol. Um embate que entrou para história como "A Batalha dos Capacetes de Prata".

Nesse mesmo dia desembarcam em França as primeiras tropas do Corpo Expedicionário Britânico. Em dez dias, sob forte escolta da Royal Navy, o único exército profissional na velha Europa é transportado através do Canal da Mancha.

A resistência de Liège permitiu que o resto do exército Belga se reposicionasse numa segunda linha de defesa na margem do rio Gette e atrasou a execução do Plano Schlieffen.

O I Exército alemão ataca pelos flancos e, num movimento de pinça, ameaça cercar as forças do Rei Albert I que não tem outra opção que não seja ordenar o recuo até Antuérpia.

Os belgas mantém algumas posições com o fim de retardar o avanço alemão. Em Aarschot, a ira dos atacantes manifesta-se da pior maneira. Para cima de uma centena de civis é executada nas margens do canal e a cidade é destruída. Destino idêntico tiveram Hervé, Diest, Schaffen e Tremelo. A biblioteca de Lovaina, famosa em todo o mundo, é incendiada. A paranóia com os franco-atiradores é pretexto para o abate aleatório de civis. As atrocidades ocorrem um pouco por todo o lado, desde o primeiro dia da invasão.

A propaganda aliada não perde tempo e nasce a imagem do huno sedento de sangue, que viola a integridade da pequena e corajosa Bélgica.

A 20 de Agosto, Von Kluck entra em Bruxelas e a 21 os exércitos alemães têm caminho praticamente livre para reiniciar o movimento envolvente em direcção a França, deixando uma pequena força a norte para defender a retaguarda de improváveis surtidas belgas.

Os belgas detêm apenas duas pequenas bolsas de território: uma a noroeste, junto da cidade de Antuérpia, onde O Rei Albert I concentra a maior parte das forças que lhe restam, e outra mais a sul, em Namur, perto da fronteira francesa, nas margens do Rio Meuse.

O I e II exércitos alemães marcham para sul.

No seu caminho, estarão apenas as três divisões territoriais francesas do General D'Amade (junto à costa) e a BEF que, graças ao tempo perdido pelos alemães através da Bélgica, conseguiu ocupar posições junto a Mons.

Ao mesmo tempo, mais para o interior, o III exército alemão investe em direcção ao V exército francês.

A França assistira quase imóvel à invasão da Bélgica. Em resposta aos pedidos de auxílio limita-se a enviar um corpo de cavalaria, comandado pelo General Sordet, numa missão exploratória. Joffre continuava preso ao Plano XVII. Colocando em prática a doutrina militar francesa que advogava a ofensiva, ordena o ataque na Alsácia e na Lorena, através das Ardenas.



A Batalha das Fronteiras

Logo a 7 de Agosto o exército francês avança numa ofensiva preliminar, em direcção a Mulhouse. É apenas um destacamento reforçado do I exército, comandado pelo General Bonneau, que enfrenta o VII exército alemão.

Após alguns sucessos iniciais conseguem capturar o objectivo, mas um contra-ataque inimigo obriga Bonneau a abandonar Mulhouse, no dia 9. Joffre envia reforços, mas a 10 já todas a unidades francesas retiraram para o seu lado da fronteira, em Belfort, para escaparem ao cerco alemão.

O comandante em chefe francês acusa Bonneau de falta de agressividade e substitui-o por Pau. Indirectamente reconhece que foi um erro atacar com tão poucos homens e atribui-lhe mais quatro divisões. A formação recebe o nome de Exército da Alsácia e posiciona-se a sul do I Exército de Dubail.

A 14 de Agosto os franceses retomam a iniciativa. Os I e II exércitos atacam na Lorena. Os alvos são as cidades de Morhange e Sarrebourg.

Durante quatro dias, os alemães recuam. No extremo sul da linha francesa o Exército da Alsácia retoma Mulhouse.

No entanto, a história repete-se. A pobre coordenação faz abrir brechas entre os três exércitos e, após um contra-ataque alemão a 20 de Agosto, Castleneau recua para território francês para evitar ser envolvido por forças inimigas. Dubail vê-se forçado a abandonar Sarrebourg sob pena de expor o flanco esquerdo e Mulhouse volta a cair em mãos alemãs.

Contrariando o previsto no Plano Schlieffen o VI e VII Exércitos alemães perseguem os franceses. Entre 25 de Agosto e 7 de Setembro tentam em vão romper através do rio Meurthe.

Mais a norte, Joffre ordena o avanço dos III e IV Exércitos através da floresta das Ardenas com o objectivo de penetrar pelo sul da Bélgica entre as cidades de Arlon e Neufchâteau.

Entretanto, o V Exército recebe ordens para marchar em direcção a Charleroi de forma a impedir o avanço germânico e proteger o extremo esquerdo da linha da frente.

De acordo com o Plano XVII, a zona das Ardenas estaria pouco defendida. A 21 de Agosto, é com base nessa crença que os homens de Ruffey e Langle de Cary avançam pelo terreno difícil. A verdade é bem mais terrível. Pela frente estão dois  exércitos alemães com força equivalente e em rota de colisão com os franceses.

Quanto o embate acontece os franceses cedem perante a força dos bombardeamentos da artilharia inimiga. Primeiro, a 24 de Agosto, o IV Exército e, logo depois, o III. Após tentativas desesperadas para recuperar terreno são obrigados a recuar para a margem sul do Meuse com graves perdas.

Também o exército da Lorena recua para Amiens onde é amalgamado com divisões de reserva para dar origem a um novo VI Exército.

No fim desta primeira fase da guerra, a França recua nos dois sectores mais a sul da sua fronteira, a Alsácia-Lorena e as Ardenas. A acção vai agora centrar-se a norte, junto com a fronteira belga por onde as tropas alemãs pretendem agora entrar.

Cegos pelo espírito ofensivo e de revanche do Plano XVII, Joffre e o seu Estado-Maior recusaram-se a prestar atenção ao óbvio e ignoraram as advertências do General Lanzarec, comandante do V Exército colocado no extremo norte da linha. Só a partir de 20 de Agosto é que Joffre deixou de negar a realidade. Foi ordenado a Lanzarec que ocupasse posições na margem do rio Sambre e que se colocasse ao lado dos ingleses.









(à suivre)

Primeiro Acto – A Europa decide-se pela guerra

terça-feira, 15 de abril de 2008

O Cenário

A 13 de Maio de 1901, três meses após a sua entrada no Parlamento, Winston Churchill advertiu quanto à necessidade da criação de um exército com dimensão suficiente para enfrentar um inimigo europeu. Com experiência nas guerras coloniais travadas entre o final do século XIX e o início do século XX, Churchill sabia que no futuro próximo a guerra implicaria “populações impelidas umas contra as outras” e não pequenos conflitos travados por “pequenos exércitos regulares de soldados profissionais”[1].

A guerra franco–prussiana de 1870 fora o último grande embate entre potências europeias. Uma guerra rápida, travada pelos tais pequenos exércitos de que Churchill falava, compostos por voluntários que escolheram uma carreira militar.

A Alemanha, estado recém-criado em redor da poderosa Prússia, saiu vencedora e recebeu os territórios da Alsácia e da Lorena das mãos de uns vexados Franceses que não esqueceram a derrota humilhante.

O triunfo encheu de confiança o novo país. Desejoso de se impor no equilíbrio das potências europeias, o império de Guilherme II tinha outras ambições. A aquisição de domínios coloniais, fonte de prestígio; de bases navais de relevância estratégica e de matérias-primas; a anexação da Polónia; o aumento da sua influência na região do Báltico e aumentar o seu poderia naval de modo a poder competir com a Grã-Bretanha em termos bélicos e comerciais.

A guerra servia ainda os desejos das pequenas nações que desejavam romper com os impérios e afirmar a sua autonomia. magiares e eslavos a partir do império Austro-Húngaro, arménios e árabes no interior do Império Otomano.

Resumindo, a França cultivava o ódio pela Alemanha com base na derrota de 1870; A Alemanha invejava o poderio naval e o império colonial Britânico; A Austro-Hungria estava em tensão com a Rússia por causa do apoio destes à causa das autonomias eslavas. A Grã-Bretanha temia o aumento da influência Alemã nos mares e a sua ligação crescente com a Turquia que poderia colocar o Médio Oriente em ebulição e um inimigo forte à porta dos seus domínios ultramarinos.

Junte-se a isto uma série de pequenos conflitos locais que acenderam ainda mais as tensões entre as principais potências europeias:

  • A guerra Ítalo-Turca entre 1911 e 1912 que terminou com a anexação da Líbia por parte dos italianos.
  • As duas guerras do Balcãs em 1912 e 1913 que opuseram os países da Liga Balcânica à Turquia e à Albânia.
  • O ultimato Austro-Húngaro à Sérvia para que esta retirasse do território albanês.
  • Anexação da província turca da Trácia por parte da Grécia.
E no entanto, no Verão de 1914, a Europa vivia um período de prosperidade. A interdependência económica revelava-se em todo o seu esplendor, uma espécie de primeira globalização ainda modesta e limitada a algumas áreas, mas incorporando as principais peças no tabuleiro de jogo das potências mundiais. Capitais e mercadorias fluíam através da Europa e da América. Em 1893 o vapor ultrapassou definitivamente a vela como meio de locomoção nos mares. Os acordos internacionais sucediam-se: a partilha de informações meteorológicas; a uniformização das dimensões das linhas de caminho de ferro; a divisão de frequências de rádio para a recém-descoberta telegrafia sem fios; os primeiros acordos sobre direitos de autor.

Também ao nível social as modificações assumiam grande relevância. Criaram-se movimentos internacionais com vista a regulamentar o número de horas de trabalho e o emprego de crianças. Em 1864 surge em Londres a Primeira Internacional, em 1889 a Segunda Internacional, em Paris. Estas pressões dos movimentos de trabalhadores, que defendiam a união da classe acima dos sentimentos nacionalistas, levou mesmo a que alguns governos se antecipassem e abrissem o caminho a políticas de protecção da classe operária.

Outros dois exemplos da cooperação internacional nos anos que antecederam a Grande Guerra foram as Convenções de Geneva em 1863 e de Haia em 1893. Em ambas foram estabelecidas normas para regular o tratamento de prisioneiros de guerra, o uso de armamento químico e o estabelecimento de um tribunal arbitral para a resolução de conflitos entre nações. A maior parte destas resoluções destinadas ao esquecimento e abafadas pelo ruído das armas durante os anos que se seguiram.


O arquiduque, o condutor e o assassino

No dia 28 de Junho de 1914 o Arquiduque Franz Ferdinand, herdeiro do trono Austro-Húngaro, inicia uma visita de estado a Sarajevo para comandar as manobras militares de dois corpos de exército. Uma má escolha de data por coincidir ao mesmo tempo com o aniversário da derrota dos Sérvios no Kosovo em 1389 e com o dia nacional da Sérvia.

Curiosamente, Franz Ferdinand representa uma esperança credível para a renovação da velha e desgastada monarquia da Europa central. Simpatiza com as reivindicações eslavas e vê com bons olhos a concessão de mais autonomia às nacionalidades que compõem o império.

No meio da multidão que assiste ao desfile estão seis conspiradores da organização Mão Negra, treinados na Sérvia. A Mão Negra, tem como objectivo a separação da Bósnia do império governado pelos Habsburgos e a integração na Sérvia.

Durante a manhã, uma bomba é atirada para o carro do arquiduque mas falha o alvo e apenas fere dois oficiais da comitiva. Franz Ferdinand insiste em continuar com o programa previsto. Mais tarde, pede para ir visitar os feridos e é nessa altura que o condutor vira por engano para uma rua estreita. Por uma das maiores coincidências da história, foram ter a apenas dez metros de um dos conspiradores, Gavrilo Princip. O jovem extremista dispara duas vezes. O carro acaba por conseguir recuar mas dois dos seus ocupantes estão feridos. O Arquiduque Franz Ferdinand e a sua mulher Sophie esvaiem-se em sangue e acabam por morrer.



As alianças

O esquema de alianças europeias no início do século XX tentava cobrir diversos cenários e colocar as diversas potências ao abrigo dos ataques umas das outras:

  • 1879 – Entente Cordiale (França, Grã-Bretanha e Rússia)
  • 1881 – Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria-Hungria e Itália)

O atentado de Sarajevo dá origem a um conjunto de movimentações diplomáticas que acabam por culminar no ínicio da guerra.

A 23 de Julho, após muitas hesitações, a Áustria entrega finalmente um ultimato ao governo sérvio. Entre os diversos pontos do documento estavam a exigência da dissolução de todas as organizações e actividades contra o império Austro-Húngaro e a criação de um inquérito judicial conjunto para encontrar e condenar os responsáveis pela morte de Franz Ferdinand.

Com apenas 48 horas para responder, a Sérvia treme e cede em quase tudo, excepto no que diz respeito ao inquérito conjunto. Mas o seu poderoso vizinho deseja a guerra. Os sérvios mobilizam o seu pequeno exército de apenas 16 divisões.

Com a garantia do apoio alemão em caso de ataque russo, o governo Austro-Húngaro declara guerra à Sérvia a 28 de Julho e inicia a mobilização. Um a um, lentamente, os restantes exércitos entram em movimento. Primeiro a Rússia, depois a Alemanha e logo a seguir a França. Ao mesmo tempo, as primeiras granadas caiem sobre Belgrado.

De todos os lados surgem apelos de última hora que tentam colocar um travão ao espírito belicoso que se apodera da Europa.

A 29 de Julho Nicolau II telegrafa a Willem II implorando-lhe que fizesse todos os possíveis para impedir a guerra. Nesse mesmo dia o kaiser, que dias antes apoiara entusiasticamente o avanço sobre a Sérvia, garante-lhe estar a fazer todos os possíveis para convencer os austríacos a negociar.

Dia 1 de Agosto, Jorge V de Inglaterra envia um telegrama ao seu primo Nicolau II da Rússia, pedindo que fosse criada uma hipótese de saída negociada. Tarde demais! Do lado do czar informam que o embaixador alemão acabou de entregar a declaração formal de guerra.

Se ao nível mais alto as hesitações e os equívocos se sucediam, nas ruas o clima era de entusiasmo e fervor patriótico. Manifestações populares de regozijo aconteceram em São Petersburgo, Viena, Berlim, Paris...

O império Austro-Húngaro, a Alemanha, a Sérvia, a Rússia e a França estão em guerra. A Grã-Bretanha tenta manter-se afastada. A Entente Cordiale com a França não a obriga a entrar no conflito, mas outro problema está prestes a juntar-se à confusão reinante na Europa.

A 2 de Agosto a Alemanha lança um ultimato à Bélgica exigindo livre passagem pelo seu território para invadir a França a partir do norte, evitando as fortificações na fronteira comum. Os belgas recusam a passagem de tropas pelo seu território invocando a sua neutralidade, consagrada no tratado de Londres de 1839. Os britânicos reagem e por sua vez enviam um ultimato a Berlim avisando-os de que a integridade territorial da Bélgica deve ser respeitada.

A 4 de Agosto, os alemães avançam pela Bélgica e a Grã-Bretanha vê-se finalmente arrastada para a guerra.



[1] Martin Gilbert, “A Primeira Guerra Mundial”, Ed. A Esfera dos Livros, pág. 32


A Organização

Como é que a Europa decidiu imolar-se e dar um passo decisivo para o seu declínio como principal potência mundial?

Ao contrário do que muitas vezes se diz, a causa principal não foi a morte do Arquiduque Franz Ferdinand em Sarajevo. Imaginemos uma bomba, composta por uma certa quantidade de explosivos. Esses explosivos necessitam de um detonador que provoque o rebentamento. Foi exactamente isso que sucedeu na Europa em 1914.

Os explosivos amontoados pelo continente eram:

- As tensões no interior do Império Austro-Hungaro
- A corrida ao armamento desde o início do século XX
- O complexo sistema de alianças
- As sequelas da guerra Franco-Prussiana de 1870
- Os nacionalismos exacerbados


O detonador tomou a forma do atentado do radical sérvio Gavrilo Princip ao Arquiduque Franz Ferdinand, herdeiro do trono do Império Austro-Hungaro.

No primeiro capítulo de "a Primeira Grande Guerra According To Steed" vamos ficar a saber as razões e acontecimentos que levaram ao início das hostilidades.

Se quiserem ficar com uma ideia do plano de trabalho:


1. A Europa decide suicidar-se

Os antecedentes e a crise causada pelo atentado em Sarajevo


2. Vêm aí os Hunos!

As primeiras batalhas e a vitória francesa no Marne


3. A hora de Cavar

A corrida para o mar e o impasse. Início da guerra de trincheiras.


4. Desta Vez É Que É!

As ofensivas de 1915: Artois, Neuve Chapelle, o uso de gás.


5. E Se Experimentássemos Por Ali?

As tentativas para quebrar o impasse. Galipolli e Salonica.


6. Visite Verdun!

Os alemães atacam em Verdun. A França sangra mas não recua.


7. Está Um Lindo Dia Para Morrer

Os exércitos de Kitchner e a ofensiva do Somme.


8. Já Não Queremos Brincar Mais

As ofensivas falhadas. Chemin des Dames, Passchendale


9. Vai Tu!

Os exércitos quebram. Os motins.


10. Camaradas, Agora Lutem Vocês

Reviravolta na Frente Este. A revolução Russa e a paz separada.


11. Ou Vai Ou Racha

A última ofensiva Alemã.


12. Está Na Hora de Acabar Com Isto

A reacção Aliada. O reforço Americano. O fim da guerra de trincheiras.


13. Vamos Para Casa

Últimos combates. A rendição das Potências Centrais.


14. Olha, é a Paz...

As sequelas da guerra. A gripe espanhola. O prólogo para o próximo conflito mundial.

A Primeira Guerra Mundial according to Steed

Não leve o título a sério. Não há aqui qualquer pretensão a ser historiador. É só interesse e desejo de saber mais, um hobby para desenvolver ao longo de algum tempo.

Se não sabe grande coisa sobre a Primeira Guerra Mundial e quiser ler um resumo dos acontecimentos baseado em alguns dos melhores livros escritos sobre o assunto, faça favor de ir visitando este estaminé. Já agora, fique a saber que que a palavra "estaminé" entrou em Portugal com os soldados que lutaram na Frente Oeste. Provém do francês "estaminet", que designava os estabelecimentos onde os soldados bebiam. Assim a modos que uma taberna à moda francesa.

O desenrolar dos eventos vai aparecer gradualmente ao longo dos próximos meses. Tal como tudo o que escrevo neste e no outro blogue faço-o porque gosto. Se servir para ensinar alguma coisa, tanto melhor.

Olha! O Steed tem um blogue de história!

É verdade amiguinhos! Como muitos se queixaram que "enches aquilo de coisas secantes de história e não volto a por lá os pés", não tive outro remédio senão chutar tudo para este pequeno e humilde blogue a que dei o nome de "A História do Steed".

Ao contrário do que possam pensar, queridos e estapafúrdios leitores, aqui não contarei a história da minha vida. Não, não, o blogue para torturar inimigos figadais com textos aborrecidos e desinteressantes é outro.

Aqui irei somente dar asas ao meu amor pela história.

Vamos começar pela Primeira Guerra Mundial. Todinha, de uma ponta à outra, dos tiros em Sarajevo ao tratado de Versalhes.

Um grande bem haja para todos vós pela graça de el-rei e que o senhor vos acompanhe.